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João Baptista Herkenhoff: Crimes hediondos

A sociedade é complacente com os crimes hediondos. Deveriam ser penalizados com rigor.

A meu ver, o mais hediondo dos crimes é deixar quatro milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, fora da escola, fato que ocorre no Brasil.

Outro crime hediondo, também cometido em nosso país: três milhões e duzentas mil crianças trabalham para evitar que a fome invada seus lares e são lesadas no seu desenvolvimento físico e intelectual por causa do trabalho infantil que as esmaga.

Menores dos quais se furta o direito de estudar, o direito de brincar, o direito de ser criança, menores que deviam estar em jardins de infância, e não em cracolândias, são menores facilmente arregimentados pela máquina do crime.

São menores abandonados pela incúria dos poderes constituídos e pelo comodismo daqueles que nada enxergam além do portão de sua casa. Estou salvo? Pereça o mundo.

Um terceiro crime hediondo: a utilização de menores para alimentar o consumo e produzir lucro através de mensagens de sexualidade velada.

Por que nem processo se abre contra os responsáveis por esta situação, autores desses crimes hediondos?

Por que os autores desses delitos hediondos têm a hipocrisia de apontar o dedo de condenação para crimes de muito menor gravidade, como o da criança de 14 anos que pratica um furto, ou mesmo um assalto?

Cícero, à face do criminoso Catilina, inimigo da Pátria, perguntava: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

A propósito desta citação, que saudade tenho do Latim de minha juventude e do Professor Virgílio Milanez que nos introduziu em Horácio, Ovídio, Lucrécio, Tácito e tantos outros.

Mas como hoje não se estuda Latim, aí vai a tradução da frase citada: Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?

Podemos apontar o dedo condenatório para os que fecham os olhos à face dos crimes hediondos acima citados e repetir a apóstrofe fulminante de Marco Túlio Cícero:

Até quando, hipócritas, abusareis de nossa paciência? Até quando, por covardia, não sois capazes de dar nome aos bois, denunciando os autores dos verdadeiros crimes hediondos?

Por que vossa palavra enche-se de ódio para condenar autores de crimes hediondos no varejo, e silencia-se diante dos crimes hediondos por atacado?

Vós sabeis que os menores vilipenpiados por vossa censura não podem vos fazer mal algum. Basta trancafiá-los e estarão reduzidos à imobilidade. É fácil execrá-los.

Quanto aos grandes criminosos, estes são poderosos. Têm força para replicar com energia vossos reparos e até mesmo levá-los a tribunal, em razão de vosso atrevimento de considerá-los criminosos quando, na verdade, são benfeitores.

Dão até cesta de Natal para os pobres.

 

João Baptista Herkenhoff é palestrante (ES) e escritor.
E-mail: [email protected]

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