13 de maio: Abolição da escravatura e ativismo negro, um processo em construção
O dia 13 de maio é lembrado como a data em que foi oficialmente abolida a escravidão negra no Brasil. Assim, aprendemos nos livros didáticos que no ano de 1888 a então princesa do Império do Brasil, Isabel Cristina, assinou a célebre Lei Áurea (Lei Imperial nº 3.353), libertando naquele momento mais de 700 mil pessoas do cativeiro.
Analisando o período, é importante destacar, a princípio, que o processo de ruptura não foi simples, consensual ou célere, nem tampouco resultou puramente de uma consciência humanitária ou de um ato de benevolência e empatia dos então dirigentes brasileiros para com o elemento servil. Pelo contrário, esse período tão sombrio de nossa história demorou para ser superado e foi fruto de negociações, avanços graduais e, inclusive, pressões estrangeiras. Para o delineamento do processo, foram fundamentais a disseminação das ideias abolicionistas que, pouco a pouco, aram a fazer parte dos embates sociais e políticos, bem como a resistência dos escravizados e de parte da população, inconformada com aquele regime desumano que perdurou por mais de três séculos e meio.
Dito isso, é necessário entender o 13 de maio não como uma data solta e/ou isolada mas, sobretudo, como resultado do jogo de forças, um processo decorrente das lutas travadas por diversos setores no seio da sociedade brasileira. Lutas essas que colocavam de um lado adeptos da manutenção da escravidão negra, e de outro, diversos segmentos que, naquele contexto histórico (principalmente em fins do século XIX), reuniram forças no sentido de extinguir um sistema que só no Brasil vitimou quase cinco milhões de pessoas.
Nessa esteira, os esforços dos emancipacionistas e abolicionistas foram de grande valia, à medida que gradualmente minaram as bases do escravismo por meio de aprovação de leis abolicionistas, apoio material e jurídico aos escravizados, e conscientização da população quanto aos efeitos nocivos da escravidão tanto para os cativos, quanto para sociedade brasileira de modo geral. Importante destacar nesse movimento o papel de personagens abolicionistas negros como Luís Gama e André Rebouças, que incessantemente lutaram pelo fim da servidão em nosso país.
No entanto, não resta dúvida de que foi principalmente nas lutas e resistências dos próprios escravizados que o escravismo encontrou seus limites. Atos sucessivos como as fugas, a formação de quilombos, as rebeliões, os homicídios de capatazes e senhores, os suicídios e outros atos extremos – somados à ações não violentas, como a adaptação dissimulada – dificultaram e até mesmo impediram a manutenção e o funcionamento dos mecanismos de dominação absoluta impostos pelos opressores.
O resultado desse embate se refletiu na abertura de espaços de negociações entre senhores e escravizados, nos quais os últimos, mesmo que em situação desfavorável, buscaram obter melhores condições de vida e liberdade. Isso acabava por alterar o jogo de forças entre as partes, amenizando os rigores das relações escravistas e alterando o sistema como um todo. Assim, por meio de suas ações e conquistas cotidianas, aqueles que sentiram na pele as crueldades do cativeiro foram os que de fato minaram e aos poucos transformaram o escravismo no Brasil, definindo profundamente os rumos da escravidão em nosso país, tornaram-se dessa forma agentes ativos de sua própria história.
E depois da “libertação”?
Observa-se que ados 137 anos da da Lei Áurea os efeitos da exploração dos negros ainda se fazem presentes em todos os ângulos de nossa sociedade. Como última nação das Américas a libertar seus escravizados, sabemos que a abolição foi benéfica, mas incompleta. Naquele momento inicial o Governo e as elites brasileiras não promoveram nenhum tipo de política pública e nem tampouco prestaram quaisquer auxílios no sentido de inserir os recém-libertos à sociedade. Muito pelo contrário, chegaram a desenvolver medidas para tentar apagá-los de nossa história, como no caso do projeto de branqueamento da população por meio da inserção de imigrantes europeus no país, implementado com base em teorias eugenistas do fim do século XIX e início do XX.
O distanciamento histórico nos permite observar que os resultados dessas ações refletiram diretamente na marginalização do negro em nossa sociedade, dificultando seu o a direitos básicos, garantidos em nossa constituição, como educação, saúde, segurança, moradia e cidadania, culminando com a formação de uma sociedade problemática e claramente marcada por um racismo estrutural, na qual naturalizou-se a ideia e a visão de que cada posição socioeconômica pertence a uma determinada cor e/ou raça.
Citando alguns números, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os que se autodeclaram negros ou pardos representam 55,5 da população brasileira, sendo que aqueles que apenas se auto declaram negro representam 10,2% da população, ou 20.656,458 dos habitantes do país (Censo 2022 – IBGE). No entanto, esses segmentos populacionais figuram como os de maior grupo no sistema carcerário nacional (aproximadamente 70%), maiores vítimas da violência (76,5% das vítimas de homicídios), os que apresentam os maiores índices de analfabetismo, menores taxas de o à saúde e piores condições de moradia em nosso país. Isso é transparente e não nos deixa esquecer que o ado escravista não foi completamente superado e ainda repercute em nossos dias.
Assim, através das estatísticas podemos observar o quanto, a despeito de todas as lutas e conquistas de nossos anteados, ainda precisamos batalhar para que de fato tenhamos o orgulho de um dia presenciar o fim da servidão em nosso país. Desta feita, quem sabe talvez um dia possamos comemorar um outro 13 de maio, mas dessa vez com mais dignidade, inclusão e justiça social para todos os brasileiros. Essa certamente seria a verdadeira Lei Áurea de libertação não somente dos negros e pardos, mas de todo o Brasil.
A escravidão nos documentos do Arquivo geral do TJAP
O TJAP é detentor de documentos importantes que registram esse período deletério de nossa história. Entre eles, podemos citar diversos processos judiciais cíveis e criminais, as cartas de alforria e outros registros presentes nos livros de notas de Mazagão e Macapá, bem como o Livro de Matrícula dos Escravos para o Fundo de Emancipação da Vila de Mazagão (1872-1883). Esse acervo é proveniente das atividades jurisdicionais no território amapaense exercidas pelos Tribunais da Relação do Maranhão e Tribunal da Relação do Pará e atualmente faz parte do acervo arquivístico de guarda permanente do TJAP. Os referidos documentos têm grande relevância histórica para quem quer entender mais sobre as dinâmicas da escravidão no Amapá.
Texto: Seção de Memória Institucional
Arte: Carol Chaves
13 de maio: Abolição da escravatura e ativismo negro, um processo em construção
Referência:
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