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Fogo iniciado em áreas desmatadas queimou 20 milhões de hectares do Cerrado

Nova pesquisa aponta que fogo usado para queimar áreas desmatadas avança sobre vegetação nativa; propriedades privadas foram as mais afetadas.

Karina Custódio*

20 milhões de hectares de vegetação nativa do Cerrado foram atingidos por incêndios que começaram em áreas de desmatamento, revela artigo publicado com participação do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). A pesquisa foi realizada em cinco estados que concentram alta de desmatamento (Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) em um período de 18 anos (2003 a 2020).

Após o desmate, o fogo é utilizado para ‘limpar’ resquícios da vegetação e preparar a área para outras atividades. Porém, o levantamento mostra que 93% do território atingido por incêndios iniciados em áreas desmatadas no período “escaparam” para áreas de vegetação conservada, enquanto 7% se restringiram às áreas desmatadas.

Mapa de área analisada

A pesquisa é a primeira a examinar a relação do desmatamento e fogo em uma grande extensão de território no Cerrado. Um total de 105,1 milhões de hectares foram analisados, possibilitando estabelecer uma correlação entre os dois fenômenos.

“A pesquisa mostra que o fogo não fica às áreas desmatadas. Ele escapa para o entorno, atingindo vegetações que não foram convertidas. Mesmo que não intencionalmente, esses incêndios impactam a vegetação nativa. A tendência é que esses escapes aumentem ainda mais com o avanço da emergência climática. Esses resultados reforçam a necessidade de eliminar as fontes de ignição, e que torna fundamental a redução do desmatamento como uma das principais estratégias para limitar a área atingida pelo fogo no bioma”, comenta Ana Carolina Pessôa, pesquisadora do IPAM e uma das autoras da publicação.

Incêndios relacionados ao desmatamento se comportaram de modo diferente dos não associados à supressão vegetal, queimando no final do período de estiagem do bioma, quando a vegetação está mais inflamável, aumentando assim o risco de escape do fogo.

Propriedades privadas concentram maior área queimada

Com 14,7 milhões de hectares de vegetação queimada, as propriedades privadas foram as mais afetadas por incêndios relacionados a desmatamento – 27% de sua vegetação nativa foi consumida por esse tipo de fogo. Em seguida, aparecem as áreas públicas de uso sustentável, com 1,4 milhão de hectares queimados por fogo relacionado ao desmatamento.

Terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral registraram uma das menores taxas de desmatamento, com 81,5 mil hectares e 22,7 mil hectares convertidos, respectivamente. Ainda assim, foram atingidas pelo fogo que escapou do desmatamento: nas terras indígenas, 1,2 milhão de hectares de vegetação foram queimados — o equivalente a 16% de sua área vegetada. Já nas unidades de conservação de proteção integral, foram 362 mil hectares queimados, ou 12% da vegetação nativa.

Tocantins concentra maior área queimada

O Tocantins teve a maior taxa de escape de fogo de áreas desmatadas entre os Estados – 96,5% da área queimada era vegetação nativa, queimando 6,4 milhões de hectares, 33,1% de sua vegetação nativa. Mato Grosso vem em seguida, com 96,8% e 4,8 milhões de hectares queimados, e Maranhão com 92,2%, um total de 4,5 milhões de hectares.

A Bahia foi o único estado em que a área desmatada foi maior que a área queimada relacionada ao desmatamento. 86,6% da área queimada por incêndios iniciados em áreas desmatadas atingiu a vegetação nativa.

Como a pesquisa foi feita

Para identificar se o fogo teve origem no desmatamento, a área de vegetação suprimida no período foi comparada com a área queimada. Foram considerados como incêndios relacionados ao desmatamento aqueles iniciados dentro ou até 1 km de distância de áreas desmatadas, e que ocorreram em até dois anos após a conversão da vegetação.

Os dados usados na análise são do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) Cerrado, MapBiomas e do GFA (Global Fire Atlas), que oferece informações sobre a origem dos incêndios.

A área analisada reúne regiões que enfrentaram picos de desmatamento em dois momentos: entre os anos 1970 e 1990 em Mato Grosso, e entre 2007 e 2008 nos estados do MATOPIBA (região que engloba parte dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerada a última fronteira agrícola do Cerrado a região enfrentou as maiores taxas de desmatamento do país em 2023 e 2024.

Karina Custódio

Analista de comunicação IPAM

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