Indígenas apontam violações em decisão sobre Potássio do Brasil
Três das principais organizações indígenas do Brasil — APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e APIAM (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amazonas) — vieram a público para manifestar repúdio à decisão da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sobre o Agravo de Instrumento nº 1037175-40.2023.4.01.0000. O julgamento, ocorrido em 7 de maio, envolveu o polêmico Projeto Potássio Autazes, da empresa Potássio do Brasil, que visa explorar minério sobre território tradicional do povo Mura, no Amazonas.
De acordo com as entidades, a sessão judicial analisou isoladamente apenas um dos 19 recursos interpostos, deixando de considerar o conjunto das contestações jurídicas ao projeto e ignorando evidências de graves irregularidades no processo de consulta aos indígenas. Para as lideranças, a decisão legitima uma consulta forjada e manipulada, desrespeitando os protocolos próprios do povo Mura e excluindo comunidades diretamente afetadas, como a do Lago do Soares e sua representação legítima, a OLIMCV (Organização de Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea).
A denúncia das organizações é categórica: a consulta apresentada como válida no processo judicial é baseada em atas adulteradas, relatos de cooptação de lideranças e exclusão deliberada de vozes contrárias ao empreendimento. Tais práticas, segundo as entidades, violam frontalmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o artigo 231 da Constituição Federal, que garantem aos povos indígenas o direito à consulta prévia, livre e informada sobre projetos que afetem seus territórios.
Além disso, as lideranças destacam que o projeto de mineração incide sobre a Terra Indígena Soares, reivindicada desde 1997 pelo povo Mura e atualmente em processo de demarcação na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Documentos e análises cartográficas da própria fundação confirmam a sobreposição do projeto ao território tradicional, informação que, segundo os indígenas, foi ignorada pelos desembargadores no julgamento.
Outro ponto criticado pelas organizações é a aparente contradição jurídica presente nos votos da 6ª Turma: ao mesmo tempo em que os desembargadores afirmam que não há terra indígena na área, também reconhecem que houve uma “consulta indígena” à população local. Para os povos indígenas, essa lógica revela o uso estratégico de argumentos jurídicos para enfraquecer seus direitos constitucionais. Segundo a Constituição de 1988, a exploração de recursos minerais em terras indígenas só pode ocorrer com autorização do Congresso Nacional — um requisito que foi desconsiderado pelos magistrados.
As organizações alertam que o desfecho deste caso pode se tornar um perigoso precedente. “A forma como este caso venha a ser decidido servirá de paradigma para outros empreendimentos que aguardam a fragilização dos direitos indígenas como porta de entrada para seus projetos”, afirmam. Para a APIB, COIAB e APIAM, legitimar um processo contaminado por manipulações internas e violações jurídicas seria “uma autorização velada para o avanço do extrativismo sobre os territórios indígenas de todo o país”.